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"Não Piratearás"?

Por Rodrigo Galiza

Uma reflexão sobre as implicações éticas da pirataria atual


Os piratas eram ladrões dos mares que tinham "coragem, crueldade, sede de poder, persistência e resistência". Eles eram contratados pelos reis para roubar as cargas de navios de outros países. O auge de suas façanhas aconteceu no século XVIII. Os mais famosos eram da Inglaterra, como Francis Draker e o capitão Edward Teach, conhecido como Barba Negra. O dicionário Houaiss define pirata, além de aventureiro marítimo, como aquele "que se apossa, ilegalmente e pela força dos bens de outrem; bandido, ladrão."

Hoje não existem mais piratas nos moldes do século XVIII, com seus navios e espadas de guerra. Atualmente, essa expressão tem sido usada para caracterizar dentre outras coisas, àquele "que não respeita os direitos de autoria ou de reprodução que vigoram sobre determinadas obras ou produtos (literários, musicais, de informática, etc.), seja produzindo, ou utilizando cópias ilegais dessas obras ou produtos."

Os piratas contemporâneos não pagam impostos por seus produtos fabricados e comercializados. Com isso, os produtores originais e legais, tendem a vender seus produtos com preços mais elevados. O resultado é lógico: vendas caem, produção diminui, faturamento declina e o número de desempregados aumenta. Por ser ilegal, o governo também não recolhe os tributos que são obrigatórios por lei, resultando em menos investimento para a população.

Além disso, são infringidos os direitos autorais garantidos legalmente. As perdas de direitos autorais, só nos Estados Unidos, chegaram a quase 771 milhões de dólares em 2002. Os falsários estão normalmente ligados a organizações criminosas internacionais. Por isso, de acordo com esse último dado, o dinheiro ganho com a pirataria acaba, em sua maioria, nas mãos de grandes criminosos.

"Não piratearás"?

De acordo com um site evangélico e testemunho pessoal, a pirataria tem penetrado nas igrejas cristãs, inclusive na Igreja Adventista do Sétimo Dia. Será que a pirataria quebra algum princípio cristão?

A lei de Deus foi dada no monte Sinai a Moisés, mas seus princípios "existiam antes da criação do homem", e por isso devem ser guardados (Salmos 19:11; João 14:15; I João 2:4,5; 5:2,3, dentre outros). De acordo com Michael Horton, "os dez mandamentos enfatizam o que cada um de nós deve ao seu próximo, não o que cada um de nós tem o direito de esperar dele". O espírito da lei de Deus tem como princípio olhar o bem do próximo e não só o direito individual.

Com esse pensamento, Horton argumenta que o oitavo mandamento "requer de nós o respeito pelo direito do próximo à propriedade privada". Pois não haveria roubo sem que existisse o direito da posse que Deus outorga a cada pessoa. Sabendo pois, que todas as coisas pertencem a Deus e Dele recebemos tudo (Salmos 24:1; Ageu 2:8), roubar seria, em última instância, um pecado não só contra o homem (a imagem de Deus), mas contra o próprio Deus.

Mas será que a pirataria é um roubo? Quando esse mandamento é violado? Alguns princípios estão por trás desse mandamento tão pequeno. Primeiramente, os piratas "não tem o menor respeito pela propriedade alheia", por não estarem respeitando o direito do próximo, além de estarem "lesando aqueles que se sacrificam para realizar seus trabalhos." A Bíblia afirma que os trabalhadores são dignos de seu salário (Lucas 10:7, I Timóteo 5:18).

Ellen G. White, comentando esse mandamento, diz que através deste princípio, Deus "exige estrita integridade nos mínimos detalhes dos negócios da vida." Ademais, ela argumenta que "o oitavo mandamento (...) proíbe toda espécie de desonestidade, injustiça ou fraude, embora dominantes, embora dissimuladas por pretextos plausíveis." E mais: "a Bíblia condena toda espécie de desonestidade e requer o reto procedimento sob todas as circunstâncias".

Horton apresenta a mesma posição de Ellen G. White. Ele diz que, embora, recebamos apenas "o pão nosso de cada dia", Deus nos deu mais do que merecemos, e por isso "violar o direito do nosso próximo à privacidade e à propriedade é roubar não apenas ao próximo mais a Deus de quem são essas dádivas".

O professor de ética do curso de Teologia do Unasp, Dr. José Miranda Rocha, sustenta que há duas "formas de suprimir o direito de propriedade:

Prevista na Bíblia: medidas desonestas (Amós 8:4-5; Provérbios 20:10; Deuteronômio 25:13-16) e fraude de impostos (Mateus 22:21; Romanos 13:7);
Não previstas na Bíblia: furto de direitos autorais de publicações, músicas, gravações, voz, imagem, etc"
Comparando o que é a pirataria atual com esses princípios morais, pode-se notar que é possível ler na essência do oitavo mandamento: "não piratearás".

Obediência aos governos terrenos

Outro princípio envolvido na questão dos direitos autorais é a submissão aos governos temporais. Algumas passagens da Bíblia (Romanos 13:1-3; Tito 3:1-5) mostram que devemos obedecer às autoridades governamentais por serem elas instituídas por Deus.

No caso do Brasil, a Carta Magna que rege a nação é a Constituição Federal, promulgada em 1988. Nela, há uma seção sobre Direitos e Garantias Fundamentais. Em seu artigo 5º § 27 diz: "aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar". De acordo com B.S. Araújo, "Os direitos autorais estão garantidos na Lei nº. 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 que atualiza e consolida tais direitos no art. 5º § 7, art. 7º § 5, art. 9º, art. 28º, art. 29º, art. 87º e art. 93º. O não cumprimento da Lei é um total desrespeito não só ao proprietário da obra gravada como também as autoridades constituídas.

A lei é clara quanto a classificar a pirataria como um ato criminoso e ilegal. Será que estaria correto, como cristãos que foram ordenados pelo próprio Jesus a obedecerem aos governos terrestres (Mateus 22:21), quebrar a lei fazendo cópias ilícitas?

Justiça social de Robin Hood

Apesar das evidências bíblicas e éticas, existem alguns ainda, por ignorância ou obstinação, que tentam desculpar a pirataria. A lógica dessa posição está no pressuposto de que é lícito roubar do rico para dar ao pobre, haja vista que a maioria da população não tem poder aquisitivo para comprar os produtos originais. Portanto, estes argumentam que é justo adquirir algo, ainda que ilegalmente, mas moralmente correto. Outros usam a "filosofia" de Robin Hood comparando a injustiça dos preços das mercadorias (que em sua maioria possuem realmente um preço injusto) com a situação de várias pessoas desempregadas. Concluem que como o erro é cometido pelos produtores, os consumidores podem (e até para alguns, possuem o direito de) cometer uma ilegalidade "moralmente correta".

O articulista Ethevaldo Siqueira do jornal O Estado de São Paulo reage a esse pensamento: "O raciocínio final é aterrador, como a justiça social de Robin Hood. Mas tem sua lógica. Mostra, no entanto, a aceitação crescente da tese de que a pirataria se torna a única saída para os milhões de excluídos. Com isso, justificam o assalto generalizado à propriedade intelectual".

Para Michael Horton, a ênfase dos mandamentos de Deus "recai nas responsabilidades no lugar da obsessão moderna sobre os direitos". Horton acrescenta que: "Deus requer de nós: que cumpramos nossas obrigações, sejamos fiéis aos nossos contratos, paguemos nossos débitos e honremos nossa palavra. Qualquer coisa aquém disso é fraude, indiferentemente do quanto pensamos que a outra parte "merece" o que devemos".

Conclusão

Piratas são ladrões, e aqueles que roubam não respeitam ao seu próximo nem a Deus, que deu o direito de posse a todos os seres humanos. Fazer cópias ilícitas traz inúmeros prejuízos a muitas pessoas, além de ser uma violação das leis humanas e divinas. Um dos argumentos usados pelos piratas, a chamada justiça social de Robin Hood, não possui apoio bíblico. Tendo em vista que, para os cristãos, os princípios não mudam mesmo quando quebrados, e que não é justificável fazer o ilícito, ainda que esse tenha uma boa aparência.



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